Não sei se o amigo canta no chuveiro, porém eu não só canto como também assobio. É como se ele fosse um microfone desses antigos da Rádio Nacional, que a gente vê em documentários. O repertório vai de acordo com a minha vontade — nem por um minuto tento agradar o público, pois ao meu lado apenas o vaso sanitário e a pia escutam pacientemente o meu recital.
Triste por não ser ovacionado? Nem um pouco... mas feliz por não ser vaiado nem ter que cantar Raul.
Pensei, ao término de mais um espetáculo, se eu conseguiria alguma verba da Lei Rouanet. Pois, pelo meu público atual, eu preciso muito fazer um trabalho de divulgação. Por outro lado, sou um homem muito agradecido e não vou desprezar meu fã-clube quando a fama e o sucesso me subirem à cabeça.
Foram eles que estavam lá quando, sem falar nada em inglês, interpretei New York, New York e, ainda por cima, imitando a voz do Sinatra. A compreensão do vaso sanitário eu já esperava — afinal, merda já faz parte do seu dia a dia. Contudo, ver a pia ali, quietinha, curtindo a música... foi comovente.
Então o meu chuveiro, além de microfone, é como se fosse meu empresário. Ele marca meu show e, graças a Deus, tem dias em que eu tenho que fazer três ou quatro apresentações. Cansativo? Sim. Muito. Mas todos começam pequeno. Veja o exemplo do Zezé de Camargo e Luciano, que digeriam ovo cru para cantar. Não seria melhor um ensaio em um chuveiro?
E aquelas cantoras que mostram o furico — não seria melhor lavá-lo enquanto ensaiam uma nova melodia?
Alguns de vocês podem falar: "É, mas quando você ficar famoso, vai subir no palco e brigar com a plateia." Eu te respondo, com toda honestidade: de maneira nenhuma. Não brigo com a minha atual plateia, que assiste gratuitamente à minha performance e não aplaude — quanto mais com um público pagante por um show que já foi pago.
Os planos para o futuro são promissores. Estou pensando, além de cantar, em apresentar na hora do banho as minhas crônicas para o vaso sanitário e a pia. Pelo menos terei dois fiéis seguidores.