Ou Vai Ou a Cerca Cai: Crônicas com Humor
Textos que derrubam cercas e arrancam risos e reflexões.
Capa Meu Diário Textos Áudios E-books Fotos Perfil Livros à Venda Prêmios Livro de Visitas Contato Links
Textos
Hoje Tem Espetáculo? Tem Sim Senhor... e eu vou!
Hoje Tem Espetáculo? Tem Sim Senhor... e eu vou!
Caro leitor, posso lhe afirmar que sou um privilegiado quando o assunto é circo. Claro que nunca estive no picadeiro, entretanto, do outro lado sempre marquei presença. Pelo menos até os meus onze, treze anos, nenhuma tenda armada aqui em Natal para tal apresentação ficou sem a minha presença, a do primo Luís Eduardo e do Silva.
Pois bem, acomode-se confortavelmente que vou te levar à minha infância e, quem sabe, fazer você relembrar da sua também. Vamos lá, no três começa... Três.
— Vai chegar um circo — avisa Silva, um funcionário da casa dos meus avós maternos e destacado para nos acompanhar nessa maravilhosa jornada circense.
Não demorava muito para o primo Luís Eduardo, chamado por mim de Lula — hoje historiador e membro da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, ocupando a cadeira nº 25, e conhecido em todas as salas de aula por Kokinho — ser comunicado do que nos aguardava.
O tão esperado dia chegou, e às 18h Silva, também conhecido por Manuca, já se apresentava no portão, devidamente vestido com uma camisa de linho branca, impecavelmente engomada. Um sorriso no rosto e pronto para arregimentar seus comandados até aquele instigante espaço dos sonhos.
Embora com dinheiro suficiente para irmos de transporte, ele achava melhor irmos caminhando — e lá vamos nós três, já especulando o que veríamos.
— O mágico. Vou ficar prestando atenção nas mãos dele — afirmei, com um ar de sabedoria que os meus onze anos me disponibilizavam.
— Esse circo é bom. Vem com todo tipo de bicho, do elefante ao camelo... Não sei se vem a girafa — falava Manuca, já registrando para não ser indagado sobre a fauna disponível no espetáculo.
Até então, Lula se mantinha calado. Intelectual, devia estar pensando na importância do circo na arte popular do Nordeste.
Sobe ladeira, desce ladeira, passa em frente ao Colégio Marista, eu aproveito para pedir a Champagnat que mantenha as feras nas grades. Andando um pouco mais, lá está ele: lindo, imponente, cheio de cores e mistérios... O circo.
Não posso garantir qual dos seis olhos era mais brilhante, porém afirmo que a alegria já estava estampada em nossas faces. O bigodinho à la Clark Gable de Manuca deixava clara a sua satisfação em estar em mais um show e em ter cumprido metade da sua missão: conduzir Lula e eu a salvo durante o trajeto.
Ingressos comprados. Camarote? Não. Algum local VIP? Não. Na arquibancada, que na época era chamada de poleiro. Isso mesmo, amigo — e nunca entramos com processo por termos sido comparados a algum tipo de galináceo.
A expectativa só aumentava. Como chegávamos cedo, tínhamos o prazer de ver todos que iam tomando seus lugares e já começando a torcer para um leão pegar algum “felizardo” que estava no camarote colado ao picadeiro.
Começa o espetáculo. Vêm águas dançantes, palhaços entrando em carro que vai se desmanchando (que me fazia lembrar a fubica do meu vizinho “Seu Cutíco”), homem comendo espada e já se adaptando para dias de penúria, mágico soltando pomba do nada, globo da morte e tigre de bengala — sem bengala —, leão e várias outras atrações.
Fim do espetáculo, mas ainda tinha a volta caminhando e comentando as apresentações.
Manuca, com sua experiência em circo, pontuava as falhas:
— Não gostei do globo da morte. Com duas motoquinhas apenas, fica fácil. No circo que eu vi no Grato, tinha um globo desses com sete motos... e das grandes.
Eu e Lula ficávamos imaginando a cena catastrófica dessa apresentação, mas contrariar o chefe da excursão nos traria problemas no futuro.
E eu, mais para puxar conversa do que por dúvida, saía com uma dessas:
— Gostei do mágico. Só não sei como ele serrou aquela mulher no meio e não pingou uma gota de sangue... E olha que eu não tirei os olhos das mãos dele nem um minuto.
Já perto de chegarmos, o Manuca comentava:
— Parece que vem um outro circo que até jacaré tem.
E ali já ficava assumido um silencioso compromisso.
Bem, meu amigo, crescemos, o circo perdeu a graça. As feras são outras, as mágicas fazemos todos os dias e os palhaços, muitas vezes, somos nós mesmos. O primo Lula seguiu sua vida brilhantemente, transmitindo cultura e saber. O Manuca não tive mais notícia (deve ter falecido). E eu estou aqui, narrando minha vida pra vocês.
Deixe o seu comentário, é de graça, não paga nada. Quem quiser me seguir, estou indo ao supermercado agora. Tchau.
Luciano Fernandes
Enviado por Luciano Fernandes em 06/07/2025
Alterado em 07/07/2025
Copyright © 2025. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.
Comentários