Ontem, me peguei lembrando dos tempos de infância, quando ia ao cinema com minha avó, minha mãe e minha irmã. Naquela época, aqui em Natal, existiam umas quatro salas de cinema, mas a melhor — disparado — era o Cine Nordeste, que oferecia um diferencial avassalador: tinha ar-condicionado. Ou, como chamavam na época, "ar refrigerado".
Para irmos ao Polo Norte — digo, ao Cine Nordeste — minha mãe caprichava na proteção da minha irmã. Ela, com três anos, teve bronquite, e agora com onze podia ter uma recaída com aquele frio glacial. Era casaco, meias e uma cara de poucos amigos.
Já eu, com nove anos, forte e saudável graças ao Biotônico Fontoura, não precisava de preparativos. Encarava a escalada ao Himalaia de peito aberto.
Minha avó, Gizelia Brandão Veiga, era uma senhora linda, cheia de vida e que não perdia um passeio de carro nem um filme. E isso é fácil de provar: pra ela, o enredo não importava muito. O essencial era que fosse "censura livre", para que o neto — no caso, eu — pudesse entrar na requintada sala de projeção.
Nunca sentávamos perto da tela.
— Faz mal pra vista — dizia minha mãe, carinhosa — e ainda me dá dor de cabeça.
Quando soavam as três badaladas anunciando o início da película — como dizia minha avó —, e os trailers terminavam, era chegada a minha hora preferida. Pode até parecer que, com nove anos, eu era um amante precoce da sétima arte. Mas a verdade é que... era o momento do pão com queijo do reino.
Isso mesmo: pão com queijo.
Da bolsa da minha avó saíam três pães. Ela distribuía o lanche com a classe de uma maître. Minha mãe, minha irmã e eu comíamos felizes. Aquilo, pra mim, era lanche e também "cala a boca".
Porque era só o pão acabar que eu começava:
— O que foi que ele disse?
— Por que ela tá rindo?
Até minha mãe pegar ar:
— Cala a boca, menino! Quero prestar atenção no filme!
Eu não conseguia acompanhar as legendas. Sentia como se alguém dissesse:
— Tenho um segredo... mas depois te conto.
E assim, pra mim, a alegria do cinema acabava. Minha mãe e minha avó, envolvidas em 20.000 Léguas Submarinas, minha irmã empacotada como se estivesse no Alaska, e eu tentando descobrir se ainda sobrara uma pontinha do pão.
Anos depois, já adultos, minha avó continuou indo ao cinema toda semana com sua grande amiga Laurita. Só não sei se ainda levava pão com queijo... mas gostaria de acreditar que sim.
Fica aqui minha homenagem:
À minha amada avó Gizélia Brandão Veiga,
À minha mãe Lúcia Veiga Fernandes,
E à minha irmã Lúcia de Fátima Veiga Fernandes (hoje, completamente curada da bronquite!).
Também os meus agradecimentos ao padeiro — e a você que leu, sorriu, compartilhou ou comentou.