Ou Vai Ou a Cerca Cai: Crônicas com Humor
Textos que derrubam cercas e arrancam risos e reflexões.
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Textos
Aposentadoria: Manual de Convivência com Cães, Galos e Outras Figuras
Estive prestando atenção no meu comportamento pós-aposentadoria e, surpreendentemente, não houve mudanças significativas. Não sei se você, amigo ou amiga leitora, já perdeu um tempinho para fazer esse tipo de estudo — um verdadeiro raio-x do seu proceder. Provavelmente não. Afinal, ninguém tem “um tempinho” para pensar bobagens e ainda registrar — só mesmo um tranquilo e bem-sucedido aposentado. E, achando pouco, ainda publica isso para qualquer um ter acesso aos seus devaneios.
Bem, meu amigo, deixe de pressa. Sente-se aí, no sofá, perto da almofada mostarda, que eu vou te contar tudo.
Comecei dando nome aos animais. Predominantemente cachorros, mas sem excluir o Washington — um galo que me acorda cantando todas as manhãs. E já no despertar, lá vai um elogio:
— Washington está cantando bem hoje. Deve estar ensaiando pra uma apresentação no teatro...
Minha mulher, já acostumada com essas performances, apenas comenta:
— Chegue, sirva seu café.
Traduzindo: o caso foi dado como perdido.
Mas minhas observações não se limitam à vizinhança. Quando saio às ruas, encontro o João Ricardo — um cachorro branco e preto, baixinho, parecendo aquelas Brasílias rebaixadas. Está terminando uma pós-graduação em Química Nuclear, suponho, de tão sério. Deitado na calçada, só abre um olho e levanta a sobrancelha quando passo, num desprezo silencioso que nem chega a ser um bom dia.
Mais à frente, passo pela casa da vovó Margot — uma pitbull idosa que, como eu, parece estar curtindo sua aposentadoria. Margot só responde ao meu bom dia se estiver com seu aparelho de surdez; em certos dias, meu cumprimento fica completamente no vácuo. Ela me lembra muito uma senhora que minha mãe conhecia, dona Celestina, que vendia salgados de festa e também tinha certa seletividade na audição.
Breno é diferente — amável e conversador. Daqueles que você precisa se despedir três vezes antes de conseguir ir embora. O paulistinha parece que está sempre sorrindo, e às vezes fica com a boca entreaberta como se estivesse assobiando La Vie en Rose.
No trajeto da minha casa até o supermercado, que fica a umas duas quadras, não me falta a agradável companhia da Belinha — uma caramelo simpática que costumava me acompanhar até o ponto do ônibus e esperava comigo até o meu embarque.
Ocorre também o processo reverso. O humano parecendo o animal — aí a coisa torna-se delicada, até ofensiva. Você chamar o caramelo de Eudes, tudo bem. Agora chamar o Eudes de caramelo pode até dar processo. Um pastor alemão você pode chamar simplesmente de pastor alemão — ele vai adorar ter nome e sobrenome. Mas chamar um pastor (o religioso) de Pastor Alemão? Aí já é desrespeitoso.
O macaco foi chamado de Tião, e até foi lançado pelo Casseta & Planeta como candidato nas eleições no Rio de Janeiro. Tente chamar um deputado de Macaco Tião pra ver uma coisa… aqui o pau que bate em Francisco não é o mesmo que bate em Chico. Por isso, muito cuidado ao ser parado numa blitz: não vá chamar o cabo Washington de galo Washington.
Bem, meu caro leitor do Caroço de Manga, não custa nada tentar fazer o dia mais leve. Rir da situação, reencontrar amigos verdadeiros (de duas e quatro patas) e agradecer por poder transformar o vazio da aposentadoria em humor.
E, para matar sua curiosidade: estou mais para o bicho-preguiça. Devagar, quase parando, e demorando uma eternidade pra acompanhar as brincadeiras do Pitágoras — a nossa tartaruguinha.
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Luciano Fernandes
Enviado por Luciano Fernandes em 15/05/2025
Alterado em 15/05/2025
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