Eu nunca comprei algo de que não me arrependesse no dia seguinte. E não é exclusividade de alguns produtos, não. Vai do sapato ao carro. Pode ter certeza: em muitos casos, eu ainda nem saí da loja e já estou me arrependendo.
Acho que sou o único que torce para o cartão não passar, para a numeração da camisa não ter e para o modelo do sapato triturar meu mindinho. Fico genuinamente feliz quando o vendedor me informa que não tem o cinto preto, mas está pra chegar. Ele me pede o número do celular para avisar quando chegar e eu dou... um que invento na hora. Se ele não anotar logo e pedir pra repetir, mando outro número diferente. Esse é o da minha secretária, ele já coloca nos contatos como Dr. Laércio. Meu nome é Luciano.
Quando chego em casa, a primeira pergunta da minha mulher é:
— E aí, encontrou o sapato?
— Encontrei um lindo, mas não tinha meu número.
— E você não foi em outra loja?
— Fui, mas não tinha o modelo que eu gostei. Mas deixei meu contato.
— O seu ou da secretária imaginária?
— Não importa. Ele ficou feliz e com mais um contato na lista dele.
Mas esse sentimento não acontece só com roupas e calçados. No supermercado é a mesma coisa. Chego todo feliz empurrando o carrinho e, à medida que ele vai enchendo, meu arrependimento também vai crescendo. Sou capaz de abandonar todas as compras só porque o meu refrigerante sem açúcar está em falta.
Isso mesmo, meu amigo leitor do Caroço de Manga, faço isso — e ainda saio feliz. Entretanto, em vez de voltar pra casa, sigo rumo a outro supermercado e verifico se aquele produto que estava faltando na primeira loja tem lá. Se tiver, pode faltar todos os outros — mas minha vingança estará completa.
É isso, amigo: sou aposentado, não sei jogar dominó e tenho que encher meu tempo com alguma coisa além de escrever no blog Caroço de Manga, que aceita apoio a partir de 1 real por mês. E até hoje não apareceu um cristão disposto a perder o amor por essa fortuna.
Mas eu desconfio do motivo: vai que ele apoia... e se arrepende.
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