Neném Cristina, Galo Guerreiro e Muitas Crianças (muitas mesmo)
Essa é uma história que eu conto a você só porque você é leitor assíduo do Caroço de Manga. Puxe a cadeira — essa não, aquela sua que já tem a baixa da sua bunda. Isso, essa mesma.
Neném Cristina foi babá da minha mãe e, mesmo depois de muitos anos passados, continuava a frequentar nossa casa. Sempre com os cabelos presos num coque atrás, roupas simples, uma palavra amiga nos lábios e um olhar que só os velhos têm.
Neném viveu até seus 106 anos de idade, quase a mesma idade da Rainha, e, desde os 75, afirmava que aquele seria o último aniversário em que estaria presente em carne e osso. Viúva há muitos anos, tinha uma única filha que, como animal de estimação, criava um galo. Esse galo recebeu o nome de Galo Guerreiro e, como toda mãe, ela conversava com a ave como se fosse uma criança:
— Meu filho tá com fome, tá?
E quando o galo dava a única resposta que sabia — um cocoricó animado — ela interpretava como se ele tivesse dito alguma coisa muito importante. Acho que Maria da Graça gostava de um baseado.
Neném Cristina, Maria da Graça e o Galo Guerreiro moravam numa pequena casa, numa rua estreita de mão única, onde o grande acontecimento do ano era o aniversário de Dona Cristina. Afinal, poderia ser o derradeiro! Esse festejo durou 31 anos, pois até os 106 houve comemoração — e ela fazia questão de festejar.
Num dos últimos aniversários que acompanhei, minha mãe, ao chegar nas proximidades da casa, já se via a multidão de crianças todas do lado de fora. Dentro, os que conseguiam entrar ficavam quentinhos e sentados — não por educação, mas por medo de que a aniversariante do dia desse um beliscão e mandasse pra casa. A faixa etária delas ia de bebê de colo até uns 8 anos, bem dentro da faixa da anfitriã.
Quando nos aproximamos da casa, lá estava, na janela, Maria da Graça... e o seu Galo.
A Neném, postada próxima à mesa, cuidava para que nenhuma criança tirasse uma única bala de coco — que, por sinal, era deliciosa — da decoração. Não tinha hora certa para cantar os parabéns; dependia da hora em que Lucinha, como ela chamava minha mãe, chegasse.
Chegou! E essa notícia corria de boca em boca como se estivessem esperando o Papai Noel. Não foi porque minha mãe fosse a estrela do evento, mas pelo que sua chegada implicava: a hora de comer uma fatia de bolo com guaraná estava próxima, para o delírio da criançada — que já tinha sofrido vários corretivos aplicados pela mãe do Galo Guerreiro, pois não conheciam o pavio curto e a fama da mão pesada dela. No final da recepção, uma breve palavra da aniversariante com a mesma previsão que se arrastava há mais de 25 anos: "Esse vai ser meu último aniversário", coisa que não era levada mais a sério por ninguém, nem mesmo pelo seu neto, o Galo Guerreiro.
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Luciano Fernandes
Enviado por Luciano Fernandes em 27/04/2025