Ou Vai Ou a Cerca Cai: Crônicas com Humor
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O Segredo da Piscina de Bolinhas
O Segredo da Piscina de Bolinhas
E o final de semana, hein? Aquele momento mágico para passear com a família no shopping. E foi o que fizemos, para nos distrair e conferir se, realmente, existe vida lá fora. E pasmem: existe sim, e da boa.

Quando eu falo “minha família”, você deve imaginar uma van completamente abarrotada de pessoas. Não, meu estimadíssimo leitor, é apenas minha filha, minha mulher e eu. É um grupo bem restrito — acho que, apertando um pouco, caberia até em um tuk-tuk.

Passeamos por corredores limpos, cheirosos, com temperatura agradável e vitrines bem apresentáveis. Os preços não muito atrativos, confesso — porém, não contrataram um vitrinista para consumidores com bolsos tão pequenos quanto os meus. Sabe aquele ambiente agradável, que faz bem para o corpo e a alma? Era onde nos encontrávamos. Eu pensei: será que entrei num universo paralelo? Eu sou o “eu” do metaverso?

Até que nos deparamos com algo que fugia de todo aquele glamour — mesmo assim, não destoava do ambiente. Do alto da escada rolante, pude contemplar aquela maravilha: esferas multicoloridas, agrupadas e prontas para despertar — ou melhor, instigar (essa é a palavra correta) — o sonho das crianças que aguardavam pacientemente a vez de se deliciar naquele ambiente que, para mim, foi a maior invenção da humanidade depois da Heineken e do macarrão instantâneo: a piscina de bolinhas.

Uma invenção ousada

Vamos lá, meu amigo: imagine a cena. Uma senhora prepara uns chilaquiles para o café da manhã, e seu marido, em tom solene, faz um comunicado formal:

— Sabe, querida... eu vou inventar a piscina de bolinhas.

E não ser internado com camisa de força e tudo mais? Pois o designer mexicano Eric McMillan fez isso em 1976 — e não foi para colocar no jardim da sua casa, mas sim em um parque temático em Ontário, no Canadá. Em outras palavras, ele fez — e ainda fez sob encomenda —, demonstrando que existe uma colônia internacional de loucos muito unidos, oras bolas.

Por esse feito, o Sr. McMillan é considerado o “pai do playground moderno”, o que me deixou bastante preocupado, sem saber qual título eu vou dar ao Walt Disney.

Comprovar a onipresença da piscina de bolinhas é fácil: ela atende desde a quermesse até o mais sofisticado evento social — desde que as crianças estejam garantidas. Não basta ter o pula-pula; é como uma dupla sertaneja: tem que ter a piscina para completar a festa e cansar a garotada.

Esse sim, caro leitor, é o segredo: um pacto oculto firmado entre os pais e o Sr. McMillan.

— Pelo amor de Deus, faça! Nós garantimos o público — devem ter dito os pais canadenses.

Na minha infância não existiam essas maravilhas que fazem as crianças mergulharem em um oceano de bolas à procura de Nemo — a um custo de quinze reais a cada quinze minutos. E, cada minuto ultrapassado, mais um real.

A cena é divertida: as crianças dando os mais variados saltos ornamentais, e os pais com um olho no filho, outro no relógio e o pensamento no tão merecido chope. Torcendo para o tempo passar logo, para ele ir ao seu próprio playground: a nossa querida praça de alimentação.

Parque São Luís e memórias da infância

Na minha época, era o Parque São Luís. Um carrossel com animais de várias espécies — que ia do leão, passava pela zebra e acabava no jacaré. Ou seja, na cabeça do “seu” Luís, no topo da cadeia alimentar estavam as crianças.

Um trenzinho lento e enferrujado, barracas com jogos de argolas — cujo prêmio era um maço de cigarros —, tiro ao alvo e uma roda-gigante que me traumatizou até a presente data.

Retiro dela toda a culpa — o que não posso dizer o mesmo sobre minha irmã, que insistia em balançar a cadeira quando a roda parava no ponto mais alto. Confesso que não era tanto pelo medo da altura, mas por um pequeno instinto de sobrevivência. Manutenção não era o forte naquela época.

Tinha o cheiro da pipoca, as cores do algodão-doce, as bexigas imitando animais e muita gente andando sob aquela música de extremo mau gosto — sempre atendendo a um pedido “de alguém apaixonado”.

Havia também as filas para os brinquedos. Era tempo de contemplar o céu — não por sua beleza, mas para ver se ia chover e estragar o tão esperado passeio.

Novidades no parque? Não, não tinha. O máximo era uma pintura nova nos “equipamentos”. O parque usava o que estava disponível na década de 50. Ou seja, nada. Mas não era preciso ser tão esperto para saber que as bolinhas já existiam — o que faltava era o que hoje chamamos de pensar fora da caixinha.

Na verdade, a principal atração era sair de casa. O resto era um bônus que o “seu” Luís dava. Mas nada, absolutamente nada, se compara a essa maravilhosa invenção: a piscina de bolinhas.

Acho que nasci em um tempo em que tudo ainda estava para ser criado. Por isso, não pude aproveitar dessas revolucionárias invenções. Às vezes, acho que nem havia caixinhas para as pessoas pensarem fora delas — e por isso tudo era mais lento.

Antigamente ou agora?

Se eu prefiro antigamente? Claro que não. Quero o conforto do shopping. Quero ver crianças submersas em bolinhas, sentar na praça de alimentação, beber e comer sem ter que sentir calor ou fumaça no rosto.

Quero ir ao banheiro e ter vontade de armar uma rede e tirar uma soneca, de tão limpo e perfumado. Quero segurança — sem ter flanelinha me mandando estacionar e a gente rindo, com medo de desagradar e ter o carro arranhado.

Quero poder sonhar com a camisa da vitrine e com os óculos escuros que minha mulher disse que caíam bem em mim.

Quero a comodidade de simplesmente ligar e ter uma piscina de bolinhas no meu jardim.

Quero abundância de caixinhas prontas para receber os mais variados pensamentos.

Quero um mundo assim — nem que seja no meu universo paralelo.

E, se for, eu não quero voltar.
Luciano Fernandes
Enviado por Luciano Fernandes em 09/04/2025
Alterado em 05/07/2025
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