Minha Breve e Fracassada Carreira no Mercado Imobiliário
Minha Breve e Fracassada Carreira no Mercado Imobiliário
Já contei sobre minha experiência como corretor de imóveis (ver artigo: Luciano Veiga Fernandes – Entre Fatos Reais e Gargalhadas), na qual, basicamente, aprendi como atender um celular. Morei minha vida inteira em casas e, excetuando a dos meus avós maternos, todas as três residências em que vivi tinham um tamanho padrão, adequado aos costumes da época.
Por isso, meu amigo, você pode imaginar o choque que tive ao ver as dimensões dos apartamentos que eu teria que vender. Nos estandes de vendas, as construtoras disponibilizavam unidades mobiliadas para provar que os móveis cabiam dentro—claro, todos feitos sob medida. Como cortesia, em alguns casos, a cozinha já vinha equipada. Mas não se anime: tratava-se do menor investimento possível. Um armário embaixo, outro em cima da pia, e estamos conversados.
Móveis? Só se forem do tamanho certo
Se você pensava em levar aquele guarda-roupa de seis portas e maleiro, presente de casamento da sogra, esqueça. Isso é coisa do passado. O espaço era minúsculo, e eu tinha que apresentá-lo como se fosse um palácio. Da porta de entrada, a impressão era que, dali mesmo, você poderia abrir a porta da “varanda”—nome chique para um bequinho onde nem uma cadeira cabia. Mas, sejamos justos, cadeira nem se fazia necessária. De pé mesmo, você poderia contemplar a vista do nada.
Isso mesmo: os empreendimentos eram tão distantes e isolados da civilização que, quando um corretor ia para o plantão nesses prédios, se despedia da esposa, das crianças e até do cachorro como se fosse o derradeiro adeus.
Os sofisticados Villages
Por mais simples que fossem, esses empreendimentos carregavam nomes sofisticados. Houve uma verdadeira infestação de Villages dos mais variados tipos. E, nesses Villages, todas as áreas comuns recebiam denominações impactantes: Terraço Gourmet, Jardino, Espaço Zen (que, até hoje, não sei o que significa).
A visita dos futuros compradores era aguardada com ansiedade e aflição, que se dissipava um pouco quando o casal trazia uma criança. Eu ajustava meu roteiro e começava mostrando o parque aquático—que consistia em uma piscina de plástico oval, um escorregador e quatro mesas. Aí, o menino começava a puxar a saia da mãe e a resmungar, música para os meus ouvidos:
“Compra, mãe, compra...”
Mal sabia ele que, depois que todas as 38 unidades fossem vendidas, aquele parque aquático seria disputado a tapas.
A dura realidade do espaço (ou da falta dele)
Tudo era pequeno naqueles apartamentos que eu vendia, menos o preço. O banheiro da “suíte”, depois de colocar um box, ficava do tamanho de um banheiro químico. A sala não cabia o sofá de três lugares, e a televisão tinha que ser trocada por uma de menor polegada. Mas tudo bem, meu amigo, vamos valorizar o ambiente: aqui é um espaço compacto, voltado para famílias modernas e que amam a natureza—aquele cheiro de cocô de vaca no ar comprovava minhas palavras.
Meu cliente mais fiel
Eu já me sentia um vencedor só por atender alguém. Certa vez, dando plantão em uma dessas pérolas, o único ser que apareceu foi um burro para comer a grama da entrada do estande. Minha mulher, ao perguntar como foi meu dia, ouviu minha resposta:
— Atendi um professor. (Desculpe, perco um leitor, mas não perco a piada).
E ela perguntou:
— E aí, ele gostou?
Eu respondi:
— Acho que sim. Comeu a grama toda.
O cliente indeciso
Tinha também aqueles clientes que vinham ao estande e faziam várias perguntas, mostrando-se extremamente interessados. Eu oferecia água, café, mostrava as maquetes, a posição do sol na unidade, preços e tudo que o futuro comprador precisava saber para tomar uma decisão.
No final de tudo, ele informava que estava “pensando” em vender a casa dele para comprar um apartamento. Minha vontade era de falar: Não tem problema, agora mesmo vou solicitar para a construtora o congelamento das vendas até você concluir seu negócio.
Conclusão: lições de uma carreira fracassada
Depois de meses tentando vender apartamentos onde o banheiro era menor que um elevador e a varanda servia apenas para pendurar a dúvida da compra, não vendi uma única unidade. Nem uma. O único cliente realmente satisfeito foi o burro, que saiu dali alimentado. Eu, por outro lado, saí apenas com a certeza de que, no mercado imobiliário, o verdadeiro imóvel... era o meu salário.
Luciano Fernandes
Enviado por Luciano Fernandes em 05/04/2025
Alterado em 14/05/2025